AINDA HÁ TEMPO (Tanussi Cardoso)
Fica a ideia da
poesia e da morte:
a pedra no caminho
o feijão cabralino
a aurora da minha vida.
Fica a impressão de que
tudo passou
como um empurrão
num precipício:
abismo sobre abismo.
Alguns amigos
alguns amores
e a sensação angustiante
de que sobraram palavras
e faltaram palavrões.
À altura dos cabelos brancos
uma lição:
é preciso chutar o balde!
Sempre há tempo
para a desarrumação.
O poema #13 desta "40tena em versos - 3a. edição": +40 dias/ +40 poemas/ +40 poetas. Pensar no tempo de existência desta estrela azul, que nos abriga, e no tempo que dispomos para estar aqui nos dá a dimensão de que as nossas vidas não passam de um sopro, de que dispomos de um tempo brevíssimo. De repente, num susto, quando vemos, lá se foram vinte, trinta, quarenta anos, e a impressão que fica é a de tanto por realizar por tão pouco realizado. Fica a impressão de que tudo passou como um empurrão num precipício: somos jogados num abismo sem fim de vivências, de caminhos, sem sabermos onde vamos dar e quando vamos parar. Alguns amigos, alguns amores e a sensação angustiante de que sobraram palavras - tantas coisas ditas e reditas - e faltaram palavrões - para tantas decepções, tantas injustiças, tantas calamidades, tantas desgraças. Fica a ideia da poesia e da morte: a pedra no caminho, cantada por Drummond, a maneira de catar feijão, nos ensinada por João Cabral, a aurora da minha vida, nos tempos idos dos colégios e suas lições, impressos por Naum Alves de Souza. Quando percebemos, a vida passou e ainda tanto por fazer, por dizer, por escrever, por aprender. Depois de tantas vivências, de um número incontável de experiências, a vinda dos cabelos brancos e uma lição que fica: é preciso chutar o balde, é preciso não se conformar, é preciso largar tudo e mudar o rumo, é preciso radicalizar. Se estamos aqui, vivos, é porque ainda há tempo para mudanças, ainda há tempo para transformações, ainda há tempo para novas aventuras. Sempre há tempo para desarrumação, para tirar do lugar o que não serve, o que não se quer, o que não dá mais. Mudar o rumo da prosa, mudar o rumo do mundo. Ainda há tempo. Poema #93
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